O BRASILEIRO CONDENA
O BRASILEIRO
Nossa
tradição cultural, por diversas razões, criou um ideal de cidadania política
sem vínculos com a efetiva vida social dos brasileiros. Na teoria aprendemos
que devemos ser cidadãos; na prática, que não
é possível, nem desejável, comportarmo-nos como cidadãos. A face
política do modelo de identidade nacional é permanentemente corroída pelo
desrespeito aos nossos ideais de conduta.
Idealmente,
ser brasileiro significa herdar a tradição democrática na qual todos somos
iguais perante a lei e onde o direito à vida, à liberdade e a busca da
felicidade é uma propriedade inalienável de cada um de nós; na realidade, ser
brasileiro significa viver em um sistema socioeconômico injusto, onde a lei só
existe pra os pobres e para os inimigos e onde os direitos individuais são
monopólio dos poucos que têm muito.
Preso
nesse impasse, o brasileiro vem sendo coagido a reagir das duas maneiras. Na
primeira, com apatia e desesperança. É o caso dos que continuam acreditando nos
valores ideais da cultura e não querem converter-se ao cinismo das classes
dominantes e de seus seguidores. Essas pessoas experimentam uma notável
diminuição da autoestima na identidade de cidadão, pois não aceitam conviver
com baixo padrão de moralidade vigente, mas tampouco sabem como agir honradamente
sem se tornarem vítimas de abusos e humilhações de toda ordem. Deixam-se assim
contagiar pela inércia ou sonham em renunciar à identidade nacional,
abandonando o país. Na segunda maneira, a mais nociva, o indivíduo adere à
ética da sobrevivência ou a lei do vale-tudo: pensa escapar à delinquência,
tornando-se delinquente.
Nos
dois casos, obviamente, perde-se a confiança na ideia de justiça, legalidade e
interesse comum. É o primeiro passo para o ipério do banditismo – o modo de
convívio social em que a lei se confunde com o interesse de um indivíduo ou de
um grupo e a força substitui o diálogo. No banditismo, as leis dão lugar ao
mercado da violência, que tende à expansão ilimitada. Numa sociedade regida
pela moral da delinquência, a cada dia se inventam as novas formas de submissão
dos mais fracos aos mais fortes.
Costa, Jurandir F. O brasileiro
condena o brasileiro. Superinteressante, São Paulo, nov, 1991.